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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Curdistão: do Apoio ao Desprezo Imperialista






Por André Dutra*



“É o fim da injustiça, infortúnio e sofrimento.
Somos os seus melhores amigos e irmãos.
Todos os que estão contra nós, são nossos inimigos.
Nós faremos deste país um paraíso.
Estamos aqui para acabar com suas tristezas.
Nós somos os melhores do mundo”


Esse trecho citado acima, de acordo com a tradução do personagem Satélite do filme Tartarugas podem Voar (2004), do diretor curdo Bahman Ghabadi, nos mostra de forma clara e precisa, as ilusões passadas ou, melhor dizendo, as mentiras contadas do império estadunidense para com os povos oprimidos. Prometem o céu e entregam o inferno. Aliás, assistir a essa obra cinematográfica é de fundamental importância para se compreender, ou tentar fazê-lo, o caos e sofrimento no cotidiano dos refugiados curdos, principalmente das crianças, que trabalham nos territórios minados e que, inclusive, vivem da renda das vendas dessas minas.



Somente no século XX, já foram mais de vinte intervenções e participações em guerras pelos EUA. Mas com qual propósito? Porque manter esse intervencionismo político e militar em praticamente todas as partes do mundo e, com muito mais frequência, no Oriente Médio?

A resposta é simples e de conhecimento de todos: o Petróleo e suas variáveis, esse é o principal agente motivador de tanta catástrofe, pobreza e dor, além da convicção presunçosa de que os EUA é a hegemonia mundial e que assim deve se portar. Vale lembrar a chamada “Operação Libertação do Iraque”, em que a sigla em inglês OIL, remete, obviamente, ao ouro negro.

O povo curdo é a maior etnia sem Estado do mundo. São mais de 30 milhões de pessoas, divididas e espalhadas pelo planeta. Como parâmetro, podemos citar a população do Canadá com 32 milhões, a Venezuela com 28 milhões e a Arábia Saudita com 27 milhões de pessoas. Porém, a maioria de sua população está no epicentro das revoluções árabes, em países como a Turquia, a Síria, o Irã e o Iraque, no qual analisaremos nesse artigo.

A zona norte do Iraque, considerado o Curdistão iraquiano, conta com uma população de aproximadamente 5 milhões de habitantes e uma área de 40.000 km2, sendo quatro vezes a área do Líbano e maior que a Holanda. A capital e sede do governo regional do Curdistão iraquiano é Arbil.


Região do Curdistão Iraquiano (Síria a oeste, Turquia ao norte, Irã a leste e Iraque ao sul)

Em reportagem publicada no sítio do The New York Times do último mês, intitulada “Kurds´ Oil Deals with Turkey Raise Fears of Fissures in Iraq”, fica muito evidente essa afirmativa dos interesses norte-americanos sobre a região e quão importante é o Curdistão Iraquiano. Segundo a matéria, curdos iraquianos estão vendendo petróleo e gás natural diretamente para a Turquia, sem passar pelo crivo de Washington ou Bagdá. De fato, desde 2012 o governo curdo está comercializando petróleo de forma independente.

O medo dos EUA, além, obviamente, da perda dos petrodólares e do seu crucial produto, é a possível independência e autonomia dos curdos, o que levaria a mais um governo a ser derrubado. Porém abriria também um enorme precedente aos curdos que vivem no Irã, Turquia e, principalmente, aos que vivem na Síria, onde facções curdas declararam recentemente uma administração autônoma no nordeste do país.

“O acordo com a Turquia é uma enorme violação contra a Constituição do Iraque, pois não compactua com a coordenação do governo central”, disse Ali Dhari, vice-presidente do comitê de petróleo e gás do parlamento iraquiano. “Isso significa roubo das riquezas do Iraque, e isso nós não vamos permitir.”

Ainda segundo a reportagem, Qasim Mishkhati, membro curdo do comitê de petróleo e gás do parlamento, insistiu que a riqueza das ofertas será compartilhada com o resto do Iraque, e que era da responsabilidade do governo regional no norte em encontrar mercados internacionais para os recursos do petróleo. “Estamos trabalhando para aumentar a renda nacional, de modo que todos os iraquianos possam desfrutar de melhores serviços e mais riqueza”, disse ele.

Existe também uma divergência sobre a região de Kirkuk, cidade que possui mais de 700 mil habitantes, que é rica em petróleo e que os curdos querem incorporar ao seu território.


Mapa com os campos de petróleo no Iraque.

Porém, em se tratando de EUA, o que já aconteceu no passado, pode voltar a acontecer novamente. Relembramos dos atos de amparo e posterior desconsideração por parte do império norte-americano para com os curdos.

Nos anos 70 e 80, com a ajuda do Irã, os americanos recrutaram os curdos para tentar tirar Saddam Hussein do governo iraquiano e, em troca, dariam a independência curda, contudo, mais tarde, quando Irã e Iraque assinaram um acordo de paz, numa completa fúria e vingança por parte de Hussein, foi executada a Anfal, uma campanha de genocídio contra o povo curdo no norte do Iraque, em que bombardeios, destruição de aldeias, pelotões de fuzilamento e armas químicas foram utilizadas, resultando, segundo fontes independentes, em mais de 150 mil vítimas fatais. E os EUA? Fingiram que nem viram.

No começo dos anos 90, quando o Iraque foi derrotado na Guerra do Golfo pelos EUA e seus aliados, foi solicitado, mais uma vez, aos curdos do norte iraquiano, que se rebelasse contra Saddam. Eles iniciaram a revolta, porém Hussein reagiu e os EUA nada fizeram.

Como disse um oficial curdo anti-iraquiano anos atrás a um repórter americano “os americanos só estão interessados em ficar lá, sem luta. Eles não querem nem a guerra nem a paz – e sim manter-nos no limbo, como sempre estivemos.” Embora as diversidades religiosas, ideológicas e culturais existentes nos quatro principais territórios ocupados sejam um atravanco, o povo curdo, por muito tempo, busca sua tão sonhada soberania como Estado único, e dificilmente serão impedidos de alcançar tal objetivo.

Em entrevista concedida à AFP, o presidente do Curdistão iraquiano, Massud Barzani, também se referiu ao futuro do povo curdo, um objetivo que, segundo ele, pode ser alcançado através do diálogo. “Ter seu próprio Estado é um direito natural do povo curdo, mas isto não pode ser alcançado através da violência”, disse. “Encorajamos o diálogo entre os curdos e os Estados que dividem o Curdistão”, acrescentou.

Resta saber quantas vezes mais o Curdistão será uma mera peça no jogo dos interesses imperialistas. Mas isso, só o futuro nos mostrará.


*André Dutra é administrador, graduando em relações internacionais, graduando em teologia, membro do Núcleo de Estudos Latino Americanos (NELAM), membro do Projeto Solidariedade Internacional – Observatório de Conflitos (PSI-OC) e colaborador do Oriente Mídia.


Referências:

- Filme Tartarugas podem Voar; direção de Bahman Ghabadi, Irã, 2004.

- Sítio The New York Times, acessado em 02/01/2014.

- Relatório de SWANSON, David. “Iraq´s war among the world´s worst events” acessado em 02/01/2014.

- Livro de OCALAN, Abdullah. “Guerra e Paz no Curdistão: perspectivas para uma solução política da questão curda”

- Sítio The Other Iraq acessado em 03/01/2014.

- Sítio HRW acessado em 05/01/2014.

- Sítio Wikipédia, acessado em 05/01/2014.


Fonte: Oriente Mídia
Vídeo: Youtube (colocado por este blog)
Imagens: Oriente Mídia, Google

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